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segunda-feira, 26 de setembro de 2022
terça-feira, 16 de agosto de 2022
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS ALIMENTOS
ORIGEM E EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA DE ALIMENTOS
O início da tecnologia de alimentos remonta à pré-história da humanidade. Com criatividade e talento, de forma empírica, ao longo de séculos as pessoas descobriram e aprimoraram meios para preparar e conservar alimentos, dando origem às bases de várias técnicas de processamento utilizadas na sociedade contemporânea. Com os avanços da ciência dos alimentos estas técnicas foram incorporando princípios científicos à experiência, formando assim as bases da tecnologia de alimentos atualmente empregada na fabricação de ingredientes e produtos alimentícios, bem como embalagens para acondicionamento de alimentos e bebidas processados.
Para uma melhor visualização da evolução da tecnologia de alimentos é apresentada uma linha do tempo que revela fatos que evidenciam o surgimento de diversas técnicas e seu aperfeiçoamento. Inicialmente, essa linha do tempo destaca as tecnologias de conservação dos alimentos, desde a antiguidade e épocas mais recentes até a atualidade, que se constituíram nas bases para a garantia do abastecimento e segurança dos alimentos das civilizações modernas.
É importante ressaltar que a relação de fatos tem apenas caráter ilustrativo, sem o objetivo de formar um histórico da tecnologia de alimentos que é um assunto bem mais complexo.
Princípios básicos das tecnologias de conservação de alimentos
Basicamente, as tecnologias de conservação agem para contenção ou eliminação de microrganismos deterioradores dos alimentos. Os microrganismos presentes nos alimentos pertencem aos grupos das bactérias, fungos, protozoários e vírus, provenientes de várias fontes de contaminação, entre as quais o solo, água, plantas, equipamentos e utensílios, trato intestinal, manipuladores, ar e pó.
Os alimentos possuem um número muito grande de componentes, sendo que água, proteínas, gorduras ou lipídeos e carboidratos estão presentes em maior quantidade. Outros componentes presentes em menor quantidade são minerais, vitaminas e ácidos nucléicos.
Assim como o ser humano e outros animais conseguem digerir e aproveitar boa parte dos componentes presentes nos alimentos, os microrganismos também conseguem fazê-lo. Por isso, se os microrganismos tiverem contato com o alimento e as condições forem favoráveis, eles vão promover uma espécie de digestão (deterioração) deste alimento e torna-lo inadequado para o consumo.
Para que o alimento possa ser conservado por mais tempo, é necessário destruir total ou parcialmente os microrganismos capazes de crescer no alimento, modificar ou eliminar uma ou mais das condições favoráveis ao desenvolvimento dos microrganismos e ou adicionar aos alimentos substâncias que impeçam sua multiplicação.
Ação das tecnologias de conservação de alimentos sobre os microrganismos
Adição de açúcar: funciona de forma análoga ao sal, na medida em que aumenta a pressão osmótica e diminui a atividade de água, criando um ambiente desfavorável para multiplicação das bactérias e de parte dos fungos. Exemplos de produtos são doces, geleias, frutas cristalizadas etc.
Alta pressão: os alimentos são submetidos a pressões elevadas que inativam as células dos microrganismos, com ou sem aplicação de calor.
Aquecimento ôhmico e por rádio frequência: a aplicação de micro-ondas ou rádio frequência gera calor por meio da energia dielétrica resultante da fricção das moléculas de água, sendo assim utilizados para conservação dos alimentos.
Cocção: preparo de alimentos utilizando temperaturas muito altas, como fervura, fritura e assamento.
Concentração: usa o calor para remover parte da água (30 – 60%) dos alimentos, como no caso da produção de sucos concentrados, molhos de tomate, leite condensado, doces etc.
Congelamento: nesse método são utilizadas temperaturas mais baixas do que na refrigeração (usualmente, -10 à -40ºC), que baixam a atividade de água e destroem parte da população microbiana do alimento devido principalmente à formação de cristais de gelo no interior de suas células.
Cura: método de conservação que consiste na adição de sal de cura aos alimentos. Esse método também confere ao produto determinadas características sensoriais, como a cor vermelha ou rosada. Usualmente, o sal de cura contém 99,5% de cloreto de sódio (sal) e 0,5% de nitrito sódio ou potássio. Exemplos: bacon e carnes.
Defumação: método de conservação no qual o alimento é exposto à fumaça produzida pela combustão incompleta da madeira, fazendo com que ele perca água e receba compostos com função antisséptica e aromatizante. Além do sabor o alimento ganha coloração característica dos alimentos defumados. São exemplos as carnes e alguns derivados, bacon e certos tipos de queijo.
Esterilização: tratamento térmico mais intenso que leva à destruição total dos microrganismos presentes, incluindo os esporos bacterianos, células mais resistentes. São normalmente realizados em equipamentos chamados autoclaves. Exemplos são os alimentos enlatados.
Fermentação: crescimento de bactérias que promovem o desenvolvimento de acidez, que inibe o crescimento da maioria dos microrganismos. É o caso de iogurtes, picles, salames etc.
Irradiação com luz ultravioleta: são empregadas para inativar microrganismos presentes na superfície dos alimentos e embalagens, bem como para a desinfecção de superfícies que entram em contato com os alimentos.
Irradiação com raios gama: consiste na aplicação de doses baixas de radiação gama, sendo usado basicamente para reduzir a carga microbiológica das especiarias moída, evitar o brotamento de batatas e cebolas, controlar a infestação de insetos na farinha de trigo integral e para desinfecção de frutas.
Pasteurização: tratamento térmico que elimina todos os patógenos e parte dos microrganismos presentes no alimento. Como a eliminação é parcial, o prazo de validade do produto é menor, além de ser necessário mantê-lo refrigerado. É o caso do leite pasteurizado.
Pulso Elétrico (PFE): o alimento é submetido a campos elétricos de pulsos de curta duração e alta intensidade , os quais inativam ou destroem os microrganismos indesejáveis.
Refrigeração: esse método reduz a multiplicação dos microrganismos presentes nos alimentos, sendo utilizado como meio de armazenamento e conservação básica, inclusive em nossos lares. As temperaturas aqui utilizadas são superiores a 0°C.
Salga:o princípio desse método baseia-se na retirada da água dos alimentos utilizando-se o sal, diminuindo a atividade de água e aumentando assim sua conservação. São exemplos as carnes salgadas, bacalhau etc.
Secagem: usa o calor para remover a água dos alimentos, produzindo alimentos como vegetais e carnes desidratadas, massas alimentícias, leite em pó, café em pó etc.
Secagem supercrítica: usa o calor para remover a água dos alimentos, mas com temperaturas mais baixas que a secagem convencional, gerando produtos de melhor qualidade.
Tratamento térmico: no tratamento térmico são aplicadas temperaturas que destroem totalmente os patógenos e que destroem parcialmente (pasteurização) ou totalmente (esterilização – enlatamento) os microrganismos deterioradores.
Ultrassom: Redução de microrganismos patogênicos em temperaturas mais baixas.Inativação enzimática; Inativação microbiana (preservação).
Uso de aditivos: esse método consiste na adição de substâncias químicas devidamente aprovadas pelas autoridades competentes (aditivos) ao alimento com o propósito de melhorar sua coloração, textura, aroma, consistência, sabor e também de conservá-los por mais tempo. Alguns exemplos desse último grupo de aditivos são: benzoatos, sorbatos, bissulfito, nitrito e peptídeos antimicrobianos como a nisina.
Outros fatores responsáveis pela deterioração dos alimentos
Parte considerável dos efeitos da degradação causada por microrganismos se deve à ação de enzimas que eles produzem e liberam no alimento. As enzimas são moléculas catalisadoras, ou seja, têm a propriedade de acelerar as reações químicas. As proteases são enzimas que degradam proteínas, produzindo peptídeos e aminoácidos, que podem causar várias alterações indesejáveis no alimento como sabor amargo. As lipases são enzimas que degradam as gorduras, que também podem levar a alterações indesejáveis como a rancidez. No entanto, os alimentos podem conter suas próprias enzimas, que também contribuem para a sua deterioração.
A deterioração do alimento pode ainda se dar por reações químicas espontâneas, ou seja, não catalisada por enzimas. Um exemplo é a reação do ranço oxidativo, relacionado à degradação de gorduras saturadas. A oxidação é uma das mais importantes causas da deterioração de alimentos, podendo conduzir à perda de sabor e cor, à modificação da textura e à formação de compostos tóxicos. É por isso que aos alimentos passíveis de sofrerem oxidação são adicionados aditivos com propriedades antioxidantes como ácido ascórbico, tocoferol e vários outros.
Fatores físicos como luz e temperatura também podem causar alterações no alimento. Um exemplo é o processo oxidativo acelerado pela luz, ou fotooxidação.
ATIVIDADE DE ÁGUA DO ALIMENTO
os microrganismos necessitam de água numa forma disponível para crescer. O valor absoluto de atividade de água fornece uma indicação segura do teor de água livre do alimento, sendo esta a forma ideal de água usada pelos microrganismos. As bactérias são usualmente mais exigentes quanto à disponibilidade de água livre, seguida dos fungos (bolores e leveduras). Alguns fungos são especialmente tolerantes à baixa atividade de água. Exemplos de alimentos com alta atividade de água: carne, leite e outras bebidas, vegetais enlatados em salmoura, frutas enlatadas em calda, etc. Exemplos de alimentos com baixa atividade de água: geleias, farinhas, chocolates, mel, macarrão, ovos, leite em pó, etc.
PH DO ALIMENTO
é um dos principais fatores intrínsecos capazes de determinar o crescimento, sobrevivência ou destruição dos microrganismos presentes no alimento. De modo geral, o pH ótimo para o desenvolvimento dos microrganismos é próximo do neutro (6,5 – 7,5). Quanto mais baixo o pH, ou seja, quanto mais ácido, mais difícil se torna para os microrganismos crescerem. Os alimentos pouco ácidos (pH maior que 4,5) permitem o crescimento da maioria das bactérias, bolores e leveduras, enquanto que os ácidos ou muito ácidos (pH menor que 4,5) restringem o crescimento de boa parte dos microrganismos.
POTENCIAL DE OXI-REDUÇÃO DO ALIMENTO (REDOX EH)
a presença do oxigênio é o fator que mais contribui para o aumento do potencial redox de um alimento, medido em milivolts (mv). Microrganismos que usam oxigênio (aeróbicos) como fungos, bactérias e leveduras oxidativas, requerem Eh positivo (acima de + 350 mv). Já os microrganismos que não usam oxigênio (anaeróbicos) requerem Eh negativo (abaixo de - 30 mv).
COMPOSIÇÃO DO ALIMENTO
os tipos de componentes presentes no alimento, bem como suas quantidades relativas determinam quais grupos de microrganismos têm mais chances de nele crescer.
TEMPERATURA AMBIENTE
é talvez o fator extrínseco mais determinante para o crescimento microbiano. Quanto mais longe da faixa ótima, menor é o crescimento do microrganismo. Porém, é importante ressaltar que os diferentes grupos de microrganismos têm diferentes faixas ótimas de crescimento. A maioria deles cresce melhor entre 20°C e 35°C, mas há aqueles que crescem bem em temperaturas altas (termófilos) e em temperaturas baixas (psicotróficos).
UMIDADE RELATIVA DO AR
influencia diretamente a atividade de água do alimento, de tal forma que se um alimento de baixa atividade de água for estocado em ambiente com alta umidade relativa, poderá ocorrer a deterioração.
COMPOSIÇÃO GASOSA DO AR
se o alimento for colocado em ambiente com menos oxigênio e mais CO2, ocorrerá o retardamento da deterioração do alimento. Esse sistema chama-se atmosfera modificada e é muito utilizado. Certos vegetais, principalmente frutas, são conservadas em atmosfera contendo ozônio, que não é recomendada para alimentos contendo muita gordura, pois acelera a rancificação.
terça-feira, 10 de maio de 2022
RELAÇÕES ECOLÓGICAS - DINAMICA DE POPULAÇÃO E SUCESSÃO ECOLÓGICAS
O local onde vive determinada espécie ou comunidade biológica, incluindo as condições ambientais, constitui o hábitat. Por exemplo, quando dizemos que certa espécie de peixe vive em riachos de água fria e bem oxigenada, ou que uma espécie de macaco vive na copa das árvores de uma floresta tropical, estamos nos referindo aos hábitats dessas espécies. Cada espécie de ser vivo tem um modo de vida único e peculiar no hábitat, representado por atividades que vão desde os tipos de alimento que a espécie utiliza até suas condições de reprodução, moradia, hábitos, inimigos naturais, estratégias de sobrevivência etc. Esse conjunto de atividades que a espécie realiza
em seu hábitat constitui o nicho ecológico (Fig. 1).
espécie.
Vamos supor que duas espécies de uma comunidade executem atividades semelhantes no ambiente em que vivem. Por exemplo, gafanhotos e roedores que vivem em um campo comem o mesmo tipo de capim; plantas de duas espécies que vivem próximas e lançam suas raízes na mesma região do solo. O que se pode esperar
nesses casos? A conclusão é que pode haver competição entre essas espécies, principalmente se os recursos disputados forem escassos. O cientista russo Georgyi F. Gause (1910 ‑1986) testou essa hipótese em um clássico experimento: ao cultivar paramécios (protozoários ciliados) de duas espécies diferentes – Paramecium aurelia e Paramecium caudatum – no mesmo tubo de cultivo, Gause verificou que a competição entre as duas espécies foi tão intensa que levou os protozoários da espécie P. caudatum à total extinção (Fig. 2).
Figura 2 Gráficos de crescimento das espécies de paramécio Paramecium caudatum e Paramecium aurelia. (A) Curvas obtidas quando as duas espécies foram cultivadas separadamente. (B) Curvas obtidas quando as duas espécies foram cultivadas juntas no mesmo frasco. Gause concluiu que a diferença apresentada nos gráficos resulta da competição entre as duas espécies.
Em uma comunidade biológica, os organismos mantêm relações tanto com seres de sua própria espécie quanto com os de outras espécies. Essas interações, genericamente denominadas relações ecológicas, podem ser classificadas em relações intraespecíficas, quando ocorrem entre indivíduos da mesma espécie, e relações interespecíficas, quando ocorrem entre indivíduos de espécies diferentes. Organismos de mesma espécie, por terem as mesmas necessidades fundamentais, quase sempre disputam os mesmos recursos do meio, fenômeno denominado competição intraespecífica. Há situações, entretanto, em que os membros da população se auxiliam mutuamente, trocando benefícios, o que se denomina cooperação intraespecífica. Competição intraespecífica Competição intraespecífica é a disputa entre indivíduos da mesma espécie por um ou mais recursos do ambiente. Dependendo da espécie, a competição pode ser por água, alimento, luz, locais para a construção de ninhos, parceiros para acasalamento etc. Além da luta física por alimento ou por parceiros de acasalamento, a competição intraespecífica também se manifesta de outras maneiras; por exemplo, se um indivíduo da espécie for muito ativo e eficiente na obtenção de alimento, ele tende a levar vantagem competitiva sobre outro menos ativo, sobretudo se o alimento for escasso. Plantas com sistemas radiculares desenvolvidos e eficientes, em determinado tipo de ambiente, podem levar vantagem sobre plantas menos dotadas na competição por água e por nutrientes (Fig. 3).
Do ponto de vista biológico, colônias são grupos de indivíduos de mesma espécie, fisicamente unidos, que interagem de forma mutuamente vantajosa, dividindo funções ou tarefas. As colônias podem variar em níveis de complexidade e no grau de divisão de tarefas entre os indivíduos. Algumas colônias são constituídas por indivíduos morfológica e funcionalmente semelhantes, sendo por isso denominadas colônias isomorfas (do grego isos, “igual”, “semelhante”, e morpho, “forma”). Um exemplo de colônia isomorfa é formada pela alga de água doce da espécie Volvox sp., que pode reunir mais de 50 mil indivíduos unicelulares e biflagelados dispostos lado a lado, formando uma esfera oca dentro da qual podem se formar colônias menores, que ficam protegidas por certo tempo no interior da “colônia ‑mãe” (Fig. 4)
(Microscópio fotônico; aumento q 63.) (B) Representação esquemática dos indivíduos biflagelados que formam a porção periférica das colônias. (Representação fora de proporção; cores meramente ilustrativas.)
Sociedades são grupos de organismos de mesma espécie cujos indivíduos manifestam algum grau de cooperação, de comunicação e de divisão de trabalho, conservando, porém, relativa independência e mobilidade. É isso o que distingue sociedade de colônia: nesta última, como vimos no exemplo da caravela, os indivíduos são fisicamente unidos. Diversas espécies, entre as quais as formigas, as
abelhas e os seres humanos, vivem em sociedade (Fig. 6).
Os especialistas classificam as relações ecológicas entre espécies diferentes relações interespecíficas – em: competição interespecífica, interações tróficas, mutualismo, comensalismo e inquilinismo.
Em seus experimentos, Gause observou que se duas espécies de uma comunidade disputam os mesmos recursos do ambiente, seus nichos ecológicos se “sobrepõem” parcialmente e ocorre competição interespecífica. Quanto mais os nichos ecológicos das espécies se assemelham em aspectos importantes, mais intensa é a competição; isso pode levar uma das espécies à extinção ou forçá‑la, a migrar em busca de uma área disponível e com menos espécies competidoras.
Herbivoria
Herbivoria é a relação que se estabelece entre as plantas e os animais que delas se alimentam. Certos animais comem apenas partes das plantas, não chegando a matá‑las. É o que ocorre, por exemplo, com mamíferos que se alimentam de grama e com larvas de insetos que comem folhas. Alguns animais se alimentam de sementes. Em qualquer dessas situações, do ponto de vista individual, há prejuízo
para as plantas e benefício para os animais que as consomem. A herbivoria é uma das mais importantes relações ecológicas da natureza, uma vez que, ao se alimentarem de plantas, os animais assimilam a energia captada da luz solar, que então é transferida para outros níveis tróficos das cadeias alimentares (Fig. 7)
Predação, ou predatismo, é a relação em que uma espécie predadora mata e come indivíduos de outra espécie, sua presa. Do ponto de vista individual, a espécie predadora se beneficia, enquanto a espécie predada é prejudicada. Do ponto de vista ecológico, entretanto, a predação é um importante mecanismo regulador da densidade populacional, tanto de presas como de predadores. A estreita correlação entre as flutuações no tamanho das populações de predadores e presas é importante para a sobrevivência de ambas.
A importância da predação como mecanismo regulador das populações naturais ficou evidente no início do século XX, quando foi proibida a caça ao veado Odocoileus hemionus no Planalto de Kaibab, nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, estimulou‑se a perseguição aos predadores naturais dos veados – lobos, pumas e coiotes. Essas medidas fizeram com que a população de veados aumentasse rapidamente: em apenas 21 anos passou de 4 mil para 100 mil animais. Os campos de pastagem, porém, eram incapazes de suportar mais que 30 mil animais. Quando essa capacidade de suporte foi ultrapassada, os veados começaram a morrer de fome e de doenças e sua população diminuiu bruscamente. Quinze anos após ter atingido o recorde de 100 mil indivíduos, a população de veados reduziu ‑se a menos de 10 mil animais. Os veados, famintos, passaram a comer as plantas de capim até as raízes, além de pisotear excessivamente o solo, afetando a capacidade de recuperação das pastagens. Por isso o capim não voltou a brotar como antes, mesmo depois da redução drástica da população de veados (Fig. 8).
Parasitismo é uma relação ecológica em que uma espécie parasita vive à custa de uma espécie hospedeira, causando ‑lhe prejuízos. Em geral, as espécies parasitas e hospedeiras estão bem adaptadas umas às outras, de modo que a relação não causa prejuízos fatais ao parasitado. A tendência evolutiva de o parasita adaptar ‑se progressivamente ao hospedeiro, e vice‑versa, é denominada coadaptação. Organismos parasitas podem viver na superfície externa do hospedeiro, sendo chamados ectoparasitas (do grego ectos, “fora”), ou no interior do hospedeiro, sendo denominados endoparasitas (do grego endos, “dentro”). Exemplos de ectoparasitas são os piolhos e os carrapatos; exemplos de endoparasitas são as lombrigas, as solitárias, certas bactérias e os vírus (Fig. 9).
Um caso particular de parasitismo é o parasitoidismo, termo utilizado para designar a relação em que um organismo vive boa parte de sua vida dentro de um hospedeiro, parasitando ‑o. Em determinado momento, o hospedeiro é morto e consumido, como na predação. Exemplos bem conhecidos de parasitoides são as vespas que põem ovos dentro de hospedeiros como aranhas e larvas de insetos. Após a eclosão dos ovos, as larvas das vespas passam a devorar os tecidos corporais vivos do hospedeiro, até que ele seja consumido totalmente. Ao final do processo, as larvas transformam ‑se em uma fase denominada pupa, que origina a vespa adulta (Fig. 10).
água e sais minerais. Por extrair da hospedeira apenas substâncias inorgânicas, a erva ‑de ‑passarinho é considerada pelos botânicos hemiparasita (do grego hemi, “metade”) (Fig. 11).
da família Sphingidae. Após se desenvolverem no interior do corpo da lagarta, alimentando‑se de tecidos vivos, as larvas do parasita saem para a superfície do corpo do hospedeiro e tecem seus casulos, que podem ser vistos sobre a lagarta. Os casulos contêm pupas, que se transformam em vespas adultas.
Mutualismo é uma relação ecológica em que ambas as espécies em interação obtêm benefícios. Os biólogos distinguem dois tipos de mutualismo: o facultativo e o obrigatório.
O mutualismo facultativo, também chamado de protocooperação, é uma relação ecológica em que as espécies associadas trocam benefícios, mas também podem viver sozinhas. A relação entre crustáceos do gênero Pagurus, os caranguejos‑eremitas, e algumas espécies de anêmona ‑do ‑mar (cnidários) é um exemplo de mutualismo facultativo. Esses animais não vivem necessariamente juntos, mas é frequente encontrá‑los em associação, o que é vantajoso para ambos. O caranguejo ‑eremita ocupa conchas vazias de caramujos, nas quais protege seu abdome delicado, pois, diferentemente de outros caranguejos, ele não tem carapaça rígida nessa região do corpo. Uma vez instalado em sua concha ‑moradia, o caranguejo ‑eremita a arrasta consigo para onde for, abandonando ‑a
apenas ao trocá‑la por outra maior. Sobre as conchas ocupadas por caranguejos‑eremitas é frequente haver fixadas uma ou mais anêmonas‑do‑mar; esses cnidários beneficiam ‑se da associação com o caranguejo por ganharem mobilidade e aproveitarem eventuais sobras de alimento do crustáceo. Este, por sua vez, se beneficia da capacidade defensiva das anêmonas ‑do ‑mar, cujos tentáculos têm células urticantes capazes de provocar queimaduras em eventuais inimigos. Outro exemplo de protocooperação é a relação entre alguns mamíferos – capivaras, búfalos, rinocerontes etc. – e aves que comem os carrapatos que os infestam. Há vantagens tanto para o mamífero, que se livra dos incômodos ectoparasitas, quanto para o pássaro, que obtém alimento com relativa facilidade.
Crocodilos também convivem cooperativamente com aves que entram em sua boca, de onde removem detritos e sanguessugas presos às gengivas (Fig. 12).
Comensalismo é o tipo de relação em que uma das espécies associadas é beneficiada, enquanto a outra não tem prejuízos nem benefícios. O principal recurso buscado pelo comensal, como o nome
sugere, é alimento. Um exemplo conhecido de comensalismo é a associação entre a rêmora (ou peixe‑piloto) e o tubarão. A rêmora tem uma estrutura dorsal aderente, semelhante a uma ventosa, com a
qual se prende ao corpo do tubarão. Este proporciona transporte e restos de alimento para a rêmora e parece não se importar com sua presença. A relação entre abutres e animais carnívoros também é um tipo de comensalismo. Os abutres acompanham os carnívoros a distância, servindo ‑se dos restos da caça deixados pelos predadores (Fig. 14). Inquilinismo é a relação em que uma espécie “inquilina” vive sobre uma espécie hospedeira, ou dentro dela, sem prejudicá‑la. O principal recurso buscado pelo inquilino, como o nome sugere, é abrigo e moradia. Várias espécies de orquídeas, bromélias e samambaias vivem sobre outras plantas maiores que lhes servem de
Em 1879 o biólogo alemão Heinrich Anton de Bary (1831 ‑1888) criou o termo simbiose (do grego syn, “juntos”, e bios, “vida”) para designar associações entre indivíduos de espécies diferentes com consequências vantajosas ou desvantajosas para pelo menos uma das partes. Segundo a definição original, relações como inquilinismo, comensalismo, mutualismo e parasitismo seriam casos de simbiose. No entanto, o termo simbiose tem sido utilizado frequentemente como sinônimo de mutualismo. Além disso, alguns autores definem simbiose como uma associação entre indivíduos de espécies diferentes em que um vive dentro do outro ou sobre o outro. Por isso, é preciso estar atento à utilização do termo.
Apresentamos a seguir um resumo (Tab. 1) das relações interespecíficas estudadas neste capítulo. Os efeitos da relação entre os indivíduos das espécies relacionadas são representados pelo sinal (+), quando há ganho ou vantagem, pelo sinal (-), quando há perda ou desvantagem, e pelo número (0), quando não há vantagem nem desvantagem. Lembre‑se de que esse critério visa apenas caracterizar a relação em termos de perdas ou ganhos individuais. Como enfatizamos no capítulo, relações como a predação, a competição e o parasitismo, em que há prejuízos para os indivíduos, podem trazer benefícios para populações, comunidades e ecossistemas.
mais que triplicou nos últimos 69 anos e poderá ultrapassar os 11,2 bilhões em 2100. Segundo dados do Fundo de Populações das Nações Unidas, o primeiro bilhão de pessoas foi atingido em 1804. A população levou 123 anos para dobrar de tamanho e atingir os 2 bilhões, o que ocorreu em 1927. Cerca de 47 anos depois, em 1974, a população atingiu a cifra de 4 bilhões de pessoas. Em 2019, já éramos nada menos que, 7,7 bilhões. Os demógrafos estimam que a humanidade contará com 8 bilhões de pessoas por volta de 2024. Em 1798 o demógrafo e economista britânico Thomas Malthus (1766-1834) teorizou que haveria fome e crise social no futuro se o crescimento populacional não fosse freado. As previsões de Malthus não consideraram, porém, que haveria progressos científicos e tecnológicos capazes de aumentar consideravelmente a produção de alimentos, além de outros fatores, como a evolução dos métodos de controle da natalidade, a diminuição do número de filhos por mulher
e o planejamento familiar. A principal crítica a Malthus e a seus seguidores mais modernos, os neomalthusianos, é a visão simplista de que a pobreza e a fome no planeta decorrem apenas do tamanho da população, e não da má distribuição das riquezas. Além disso, há uma corrente de pensamento que defende exatamente o contrário: a superpopulação é que é consequência direta da pobreza, da falta de informação e de melhores condições de vida dos povos do mundo. Estudar as populações biológicas é importante porque elas são unidades funcionais básicas nos ecossistemas, estando na base dos sistemas ecológicos. O estudo de certas características de uma população ao longo do tempo informa se ela está em expansão, em declínio ou estável, o que permite estabelecer correlações com fatores como disponibilidade de alimento e clima, entre outros. Ainda há muitas divergências acerca do crescimento da população humana e sua relação com a pobreza e a desigualdade social no mundo. Como já foi dito, alguns estudiosos consideram que a miséria e a fome no mundo estão mais relacionadas às más políticas de distribuição de recursos do que à superpopulação. Entretanto, não há dúvida de que muitos problemas da humanidade se agravam quando o ambiente natural é degradado, o que é consequência direta da quantidade de pessoas que o exploram. Neste capítulo, estudaremos, além das populações, a sucessão ecológica, processo pelo qual populações e comunidades se sucedem e evoluem durante a colonização de uma área. Diferentes tipos de comunidades atingem seu clímax em diversos locais do planeta: cerrados, savanas, florestas, desertos etc. A valorização e a preservação desses ambientes naturais são grandes desafios atuais e futuros para a humanidade. Reconhecer as feições características de cada ambiente e estar informado sobre o crescimento da população humana são ações pela cidadania.
O conceito de população
População biológica é definida como um conjunto de indivíduos de mesma espécie que convivem em determinada área e que podem cruzar entre si de forma natural. Vamos partir de um exemplo hipotético em que duas espécies distintas, uma de pássaros e uma de ratos, vivem em diversas ilhas de um arquipélago. Os pássaros, capazes de voar livremente entre as ilhas, podem se encontrar e cruzar entre si. De acordo com os biólogos, esses pássaros formam uma única população, distribuída pelas ilhas. Suponhamos que os ratos não consigam nadar entre as ilhas; consequentemente, ratos das diferentes ilhas do arquipélago não se cruzam, e cada ilha teria uma população particular desses roedores. Aplicando o mesmo critério à espécie humana, pode-se dizer que atualmente a humanidade constitui uma única população biológica, que se distribui pelos diversos continentes. As migrações, facilitadas principalmente pela revolução nos transportes e nas comunicações, transformaram a população humana em uma única “aldeia global”, termo criado pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) nos anos 1960. Na linguagem cotidiana, por simplificação, é comum referir-se à população de um município, de um estado, de um país etc., quando o mais correto seria utilizar o termo subpopulação. O globalismo da
população humana ficou tristemente evidenciado com o rápido alastramento da pandemia da COVID-19, originada em uma pequena cidade na China e que em poucos meses se espalhou por quase 200 países, em todos os continentes.
Uma informação importante a respeito de uma população é a densidade populacional, definida como a relação entre o número de indivíduos da espécie e a área ou o volume (no caso de hábitats aquáticos, por exemplo) que eles ocupam. Essa definição está formulada a seguir: Densidade populacional 5 No de indivíduos 4 Área ou volume Na população humana, o estudo estatístico do tamanho populacional e de sua composição em idade e sexo, entre outros aspectos, constitui a demografia (do grego demos, “povo”, e graphe, “descrição”). Quando se trata de populações humanas, fala-se em densidade demográfica, calculada com base em levantamentos periódicos conhecidos como censos demográficos. O censo demográfico realizado no Brasil em 1990, por exemplo, estimou a população brasileira em aproximadamente 150 milhões de pessoas, distribuídas pelos 8,5 milhões de quilômetros quadrados de superfície do território nacional. Assim, a densidade demográfica do Brasil em 1990 era de aproximadamente 17,6 hab/km2 (habitantes por quilômetro quadrado). Em 2000, o censo mostrou que a população brasileira tinha aumentado para 169 milhões de pessoas; como o território permaneceu o mesmo, a densidade demográfica brasileira cresceu para 19,8 hab/km2. Em 2006 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)* estimou a população brasileira em 186 milhões de habitantes e, em 2010, em 190.732.694 pessoas, o que indica que nesta última data a densidade demográfica era de aproximadamente 22,4 hab/km2. Em 2019 a população brasileira foi estimada em 208,5 milhões de pessoas, o que eleva a densidade demográfica para 24,5 hab/km2, um aumento de quase 40% em relação a 1990 (Fig. 1).
Figura 1 No Brasil há desde centros urbanos superpovoados até áreas rurais pouco ocupadas. (A) Rua 25 de Março, na cidade de São Paulo, SP, 2013. (B) Fazenda na zona rural de Tiradentes, MG, 2019.
Um aspecto importante em Ecologia é saber como uma população cresce. Para isso, estima-se a taxa de crescimento populacional, que é a variação (aumento ou diminuição) do número de indivíduos em determinado intervalo de tempo. Vamos concretizar essa definição analisando os dados da Tabela 1, na coluna lateral (abaixo), relativos a populações hipotéticas de bactérias. Para determinar a taxa de crescimento das populações, primeiramente calculamos a variação (aumento ou diminuição) do número de indivíduos em um intervalo de tempo considerado. Para isso, tomamos o número de indivíduos da população no tempo final (Nf) e subtraímos dele o número de indivíduos no tempo inicial (Ni). Essa variação bruta é então dividida pelo número de indivíduos que havia na população no tempo inicial (Ni). Finalmente esse número é dividido pela duração do período considerado (t). Veja a fórmula empregada no cálculo:
O crescimento de uma população é determinado, fundamentalmente, por dois fenômenos de efeitos opostos: a natalidade, ou seja, o número de indivíduos que nascem, e a mortalidade, o número de indivíduos que morrem. Outros fatores que também afetam o tamanho de uma população são a imigração – a entrada de novos indivíduos na população, e a emigração, a saída de indivíduos da população. Quando se trata da população humana, a taxa de natalidade é definida como o número de crianças nascidas no período de um ano para cada 1.000 habitantes da população. Analogamente, a taxa de mortalidade é o número de óbitos (mortes) ocorridos no período de um ano para cada 1.000 habitantes da população. Por que expressar o número de nascimentos para cada 1.000 habitantes, isto é, dividir o número de nascimentos por 1.000? O motivo é o mesmo que utilizamos ao dividirmos um número por 100 quando expressamos porcentagens. O que estamos fazendo, nos dois casos, é relativizar os números brutos, o que facilita compará-los aos de outras populações. Por exemplo, se ocorrerem dois nascimentos por ano em uma população de 1 mil habitantes em determinado ano, a taxa de natalidade é igual a 2 ÷ 1.000, ou 0,002. Em outra população, de 4 mil habitantes, nasceram quatro pessoas nesse mesmo ano; nesse caso, a taxa de natalidade foi de 4 ÷ 4.000, ou 0,001, a metade da taxa da primeira população. As taxas de mortalidade também podem ser detalhadas por faixa de idade. Quando se fala em taxa de mortalidade infantil, por exemplo, divide-se o número de óbitos de crianças com menos de 1 ano por 1.000 crianças nascidas vivas no período de 1 ano.
Figura 2 Curva de crescimento intrínseco de uma população de bactérias que duplica de tamanho a cada hora e tem índice de mortalidade zero no período considerado. Gráficos com curva semelhante são esperados para qualquer população biológica. Esse tipo de curva é característico de um crescimento em progressão geométrica, em que, a intervalos iguais de tempo, o número de indivíduos da população dobra.
Uma informação importante sobre certos tipos de população é seu índice de fertilidade, ou taxa de fertilidade, definido como o número médio de descendentes que uma fêmea gera durante seu período reprodutivo. No caso da espécie humana, se um país tiver índice de fertilidade igual a 2, significa que o número médio de filhos por mulher é 2. Espera-se, então, que os filhos de cada geração substituam seus pais, o que tende a manter o tamanho da população estável. Se o índice de fertilidade for superior a 2, há uma tendência
ao crescimento populacional; se for inferior a 2, há uma tendência à diminuição do tamanho da população, situação denominada crescimento negativo.
A maioria das populações tem grande potencial para crescer. Se a mortalidade fosse zero, uma única bactéria, reproduzindo-se a cada 20 minutos, produziria descendência suficiente para cobrir a Terra em apenas 36 horas. Um único paramécio poderia gerar, em alguns dias, uma massa de indivíduos correspondente a 10 mil vezes a massa da Terra. Um único casal de pássaros e seus descendentes, chocando de 5 a 6 ovos por ano, produziria 10 milhões de descendentes em 15 anos. Essa capacidade teórica de crescimento de uma população biológica é denominada curva de crescimento intrínseco, ou potencial biótico. Em populações teóricas, se representarmos em um gráfico o número de indivíduos da população em função do tempo, a curva resultante é exponencial e corresponde ao crescimento intrínseco, ou também chamado de potencial biótico da população (Fig. 2).
pela curva de crescimento populacional resulta da interação entre o crescimento intrínseco e a resistência do meio, esta última, como vimos, constituída pelo conjunto de fatores ambientais que limitam o crescimento da população (Fig. 3).
O crescimento de uma população biológica é limitado pela densidade populacional, pela disponibilidade de alimento, pela competição com indivíduos de outras espécies (competição interespecífica), pela predação e pelo parasitismo, entre outros fatores. O estudo de certas populações mostrou que quando a densidade populacional aumenta além de certo limite, a taxa de natalidade tende a diminuir. Essa situação ocorre, em geral, como consequência do aumento da competição por alimento e da competição entre os casais por locais de procriação. Em experimentos com ratos, verificou-se que quando as gaiolas de criação se tornavam superpovoadas, mesmo com alimento em abundância, a taxa de natalidade caía a zero. Muitos filhotes chegavam mesmo a morrer antes do nascimento, ainda no útero materno, o que levou à conclusão de que essas mortes estariam relacionadas ao estresse e à tensão emocional decorrentes do superpovoamento. Quanto mais intensos são os fatores que limitam o crescimento, menor é o aumento populacional. Em contrapartida, o abrandamento de um ou mais fatores limitantes pode levar ao aumento da taxa de crescimento da população. Como a intensidade dos fatores limitantes geralmente varia ao longo do tempo, observa-se que o tamanho das populações passa por flutuações periódicas (Fig. 4). Um exemplo clássico da regulação do tamanho populacional por meio da predação é o da flutuação dos tamanhos de populações de linces e lebres da região ártica do Canadá. Os dados foram coletados durante 80 anos (de 1855 a 1935) pela Companhia da Baía de Hudson, que registrava o número de peles comercializadas pelos caçadores da região. Como o número de caçadores era conhecido e
sofria pouca alteração de um ano para o outro, as variações na quantidade de peles comercializadas provavelmente refletiam as variações do tamanho relativo das populações das espécies caçadas.
Traçando no mesmo gráfico as curvas de densidade populacional de lebres e de linces, verifica-se que a população de linces geralmente alcança seu maior desenvolvimento um a dois anos depois que a população de lebres atinge seu ápice. Uma interpretação bastante plausível é que o tamanho das populações de lebres e de linces depende da relação presa-predador existente entre essas duas espécies. Quando a população de lebres aumenta, a população de linces também aumenta, já que há maior oferta de alimento para o predador. Com o aumento do número de linces, intensifica-se a predação, o que leva à diminuição da população de lebres. Com menos lebres para caçar, a população de linces volta a diminuir, o que permite a retomada do crescimento da população de lebres, e assim por diante.
Fonte: adaptado de DAJOZ, R. Ecologia geral. 3. ed. São Paulo: Edusp, 1978.
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A população humana é semelhante a outras populações biológicas e está sujeita aos mesmos fatores gerais que regulam e limitam o crescimento populacional de outras espécies. Entretanto, a humanidade tem conseguido controlar alguns fatores ambientais, o que permitiu um formidável ritmo de crescimento populacional. O crescimento acelerado das populações humanas deve-se principalmente à diminuição da taxa de mortalidade, decorrente tanto dos avanços agrícolas e tecnológicos, que contribuíram para o aumento da produção de alimentos, como dos progressos médicos e sanitários, que prolongaram a expectativa de vida (Fig. 6)
esgotados; certas áreas demandariam tanto empenho para se tornar produtivas que, pelo menos por enquanto, não é vantajoso explorá-las. Além disso, os ecossistemas naturais que ainda restam, por exemplo, os da Amazônia, dos Cerrados e do Pantanal Mato-Grossense, não devem ser explorados de forma predatória. É preciso manter áreas preservadas para que a diversidade biológica, ou biodiversidade, produzida ao longo de bilhões de anos de evolução não seja perdida. Biomas como a Floresta Amazônica e o Cerrado têm forte influência na dinâmica de chuvas e rios que abastecem grande parte do continente, e sua devastação teria consequências catastróficas para a biosfera. Até a década de 1970, certos países consideravam o controle da natalidade uma iniciativa racista, reacionária ou imperialista. Hoje, os cidadãos da maioria das nações consideram importante realizar algum tipo de controle da natalidade e o planejamento familiar para manter a qualidade de vida da população. A maioria dos países desenvolvidos já conseguiu frear o crescimento populacional, o que também tem ocorrido em alguns países em desenvolvimento, como a Tailândia, a Colômbia e a Costa Rica, que já alcançaram reduções significativas de suas taxas de natalidade. Outros, apesar das tentativas, ainda não alcançaram o objetivo desejado. Embora os problemas da humanidade sejam decorrentes de vários fatores, imagina-se que se o crescimento da população for freado, será possível ganhar tempo para resolver problemas que seriam agravados em um quadro de superpopulação, como a fome, as desigualdades econômicas, a degradação ambiental e várias doenças. O escritor estadunidense Lester R. Brown (1934-) iniciou um de seus livros, O vigésimo nono dia, publicado em 1980 (Editora FGV), com uma pequena história: “Para ensinar às crianças a noção de crescimento exponencial, os professores franceses se valem de uma charada. Em uma lagoa flutua uma folha de árvore. A cada dia que passa, o número de folhas dobra: duas folhas no segundo dia, quatro no terceiro, oito no quarto, e assim por diante. Se a lagoa ficar inteiramente coberta de folhas no trigésimo dia, quando ela ficou coberta pela metade? Resposta: No vigésimo nono dia”. A lagoa corresponde ao nosso planeta e as folhas, às pessoas que o habitam. Talvez o planeta já esteja coberto pela metade e logo se torne repleto de gente. O maior risco dessa situação é ignorar os sinais da iminente saturação ou interpretá-los de modo errôneo. Como o trigésimo dia poderá não oferecer possibilidades de sobrevivência, é importante não chegar a ele; alguns propõem que um dos caminhos para isso seja limitar o crescimento demográfico.
Fonte: adaptado de ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: <https://population.un.org/wpp/>.
Acesso em: 28 abr. 2020
Quando a sucessão ocorre em locais parcialmente destruídos, mas anteriormente ocupados por comunidades biológicas, fala-se em sucessão ecológica secundária. Exemplos de sucessão ecológica secundária são a recolonização de campos de cultivo abandonados, de regiões desflorestadas, de áreas destruídas por queimadas ou de
lagos recém-formados. Nesses casos as mudanças geralmente são mais rápidas do que na sucessão primária, uma vez que as condições iniciais já são mais favoráveis ao estabelecimento de seres vivos. À medida que o ambiente é colonizado pelas espécies pioneiras, ele vai gradualmente se modificando. Ocorrem variações menos bruscas na temperatura do solo, e o grau de umidade tende a aumentar. O material orgânico resultante da decomposição dos cadáveres das espécies pioneiras acumula-se no solo, disponibilizando nutrientes e favorecendo a retenção de água. No caso das dunas, por exemplo, as raízes das plantas pioneiras contribuem para estabilizar o solo, evitando que as partículas arenosas sejam facilmente carregadas pelo vento. As novas condições criadas pelas espécies pioneiras favorecem a chegada de outras plantas e de animais, que podem se estabelecer no local. As espécies recém-chegadas tendem a competir com as pioneiras e pouco a pouco tomam o lugar delas. As sucessivas gerações de plantas e animais que nascem, crescem, morrem e se decompõem em um local de sucessão tornam o solo cada vez mais rico em matéria orgânica e umidade, e em uma área antes desabitada passa a haver uma comunidade biológica cada vez mais estável. A complexidade da comunidade depende de vários fatores, entre eles o tempo que se passou desde o início da colonização, as condições climáticas do ambiente no local da sucessão, as espécies colonizadoras e as que se estabeleceram no processo (Fig. 9). A cada estágio do processo de sucessão, a comunidade contribui para alterar cada vez mais a estrutura do ambiente e as condições climáticas locais, surgindo assim um microclima, ou seja, um clima próprio da comunidade em sucessão,
que traz novas possibilidades para a colonização por outras espécies. Ao longo da sucessão, as comunidades que se formam têm aumento na biodiversidade, na biomassa e na estabilidade das relações ecológicas. O processo de sucessão ecológica leva ao estabelecimento de uma comunidade biológica relativamente estável e bem adaptada às condições locais. A estabilidade depende da rede de interações construídas ao longo da sucessão das comunidades, com o passar do tempo. A comunidade que surge no estágio final de sucessão é denominada comunidade clímax, nela, a biodiversidade, a biomassa e as condições microclimáticas tendem a se estabilizar ao longo do tempo. As comunidades intermediárias em um processo de sucessão ecológica são chamadas de seres ou estágios serais da sucessão.
O conceito de bioma
Pode-se definir bioma (do grego bio, “vida”, e oma, “grupo”) como uma área geográfica na qual se desenvolve um ecossistema relativamente uniforme, caracterizado pelo clima, pelo solo e pela fisionomia de sua vegetação. Regiões da Terra com latitudes coincidentes, em que prevalecem condições climáticas parecidas, geralmente têm formações vegetais com aparência semelhante e o mesmo tipo de bioma. Por exemplo, o bioma denominado Floresta Tropical predomina na faixa equatorial do planeta, tanto na América do Sul quanto na África, no sudeste da Ásia e na Oceania, embora em cada um desses locais haja espécies vegetais e animais distintas. Outro exemplo é o Cerrado brasileiro, um tipo de Savana, bioma presente em latitudes coincidentes da América do Sul, da África e da Austrália (Fig. 10).
Considerando características climáticas, botânicas, hidrológicas, fitogeográficas e edáficas (relativas ao solo), o geógrafo brasileiro Aziz Ab’Sáber (1924-2012) considerou a existência de seis grandes domínios morfoclimáticos em nosso país. Cada um desses domínios é caracterizado por um bioma típico, podendo apresentar outros tipos de bioma em áreas específicas. Os seis domínios morfoclimáticos propostos por Ab’Sáber são:
• Domínio Amazônico, no qual encontramos principalmente o bioma de Floresta Tropical de terra firme, bem como os biomas de Floresta de Igapó inundável e das Caatingas do Rio Negro, entre outros;
• Domínio dos Mares de Morros (ou Domínio Atlântico), cujo bioma mais típico é a Floresta Pluvial Costeira; nesse domínio também estão incluídos os biomas de Restinga e os Manguezais;
• Domínio dos Cerrados, em que predomina uma vegetação típica conhecida como Cerrado;
• Domínio das Caatingas, em que predomina um bioma de Savana Semiá- rido, incluindo também os Carnaubais;
• Domínio das Araucárias, em que predominam as Florestas de Araucária;
• Domínio das Pradarias, em que predominam os Campos Sulinos. Além desses seis domínios, há áreas de transição que abrigam biomas com características intermediárias, que não se enquadram em nenhum dos seis domínios. É o caso do Pantanal Mato-Grossense, região de transição constituída por um conjunto de diferentes biomas, entre os quais se destacam as vastas planícies inundáveis. Outros exemplos de biomas localizados em áreas de transição são as Matas de Cocais e os Manguezais. O território do Brasil, que se estende de pouco acima da linha do Equador até abaixo do Trópico de Capricórnio, favorece a existência de diversos biomas, distribuídos nos seis domínios morfoclimáticos e nas áreas de transição. Os biomas mais importantes, tanto pela área que ocupam quanto pela biodiversidade, são: Floresta Amazônica (Hileia), Floresta Pluvial Costeira (Floresta Atlântica), Floresta de Araucárias, Cerrado, Pampa, Caatinga, Floresta de Cocais (Babaçual), Manguezal, biomas que compõem o Pantanal Mato-Grossense (Figs. 11 e 12).
FIGURA 12 – LOCALIZAÇÃO DOS PRINCIPAIS DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS DO BRASIL |
A Floresta Amazônica, também conhecida por hileia amazônica, é o principal bioma do Domínio Amazônico. A Hileia se localiza na região Norte do Brasil, nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Tocantins, Amapá e Roraima, além da parte norte de Mato Grosso e da parte oeste do Maranhão. Mata de igapó em Iranduba, AM, 2020.
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