O CONHECIMENTO CIENTIFICO
O desenvolvimento das Ciências Naturais tem permitido à humanidade obter conhecimentos sobre o Universo, a Terra e os seres vivos. Isso contribuiu, entre outras coisas, para os grandes avanços na Medicina contemporânea. (A) As próteses são exemplos de como a Ciência e a tecnologia contribuem para a qualidade de vida das pessoas. (B) A matemática norte‑americana Katherine Johnson (1918‑2020) é reconhecida pelas valiosas contribuições para o avanço da exploração espacial por meio de seu trabalho na Nasa. (C) Os exames de imagens, como a ressonância magnética, revolucionaram os diagnósticos e tratamentos adequados na Medicina.
Primeiramente os cientistas observam cuidadosamente os fatos. Fato pode ser um evento ou um processo do mundo natural, percebido objetivamente com nossos sentidos ou com o auxílio de instrumentos que os expandem, como microscópios e telescópios. Com base na observação controlada e criteriosa de determinados fatos, os cientistas procuram entender se há relação entre eles e como e por que determinados fatos ocorrem. O método utilizado pelos cientistas em sua atividade consiste de procedimentos lógicos, muitos dos quais são utilizados em nossa vida cotidiana para descobrir como as coisas funcionam ou por que elas acontecem. Quando observamos determinado acontecimento e temos um “palpite” sobre o motivo pelo qual ele está ocorrendo, estamos elaborando uma hipótese.
Na linguagem cotidiana, o termo hipótese é muitas vezes utilizado como sinônimo de “teoria”. Entretanto, há uma grande diferença entre esses dois conceitos. Hipótese é uma tentativa de explicar determinado fenômeno, enquanto teoria é uma ideia ampla, que já teve as hipóteses nela incluídas submetidas a testes. Teoria é uma espécie de modelo científico, capaz de explicar coerentemente um conjunto de fenômenos da natureza. São as teorias que dão sentido às nossas observações, e, com base nelas, elaboramos novas hipóteses sobre fatos observados. A teoria celular, por exemplo, tem por pressuposto que o fenômeno da vida ocorre exclusivamente no interior de células vivas. A teoria da gravitação universal de Newton explica os movimentos dos corpos celestes tendo por base a força de atração gravitacional.
O conhecimento científico em determinada área geralmente começa com alguma pergunta: “Por que tal fenômeno ocorre?” ou “Qual é a relação entre determinado fenômeno e outro?”. Quando formulam essas perguntas, os cientistas geralmente já têm alguma ideia prévia sobre as possíveis respostas para elas com base em teorias científicas e informações de pesquisas anteriores. Para formular uma hipótese, portanto, o cientista primeiro analisa, interpreta e reúne o maior número possível de informações disponíveis sobre o assunto que ele deseja estudar. Uma hipótese científica, para ser válida, tem que ser testável, ou seja, deve existir a possibilidade de que ela seja submetida a algum teste lógico ou experimental. O teste de uma hipótese consiste em imaginar uma situação em que determinados fatos e consequências ocorreriam somente se a hipótese testada fosse "verdadeira", ou, como querem os cientistas mais rigorosos, se essa hipótese não fosse rejeitada. Em outras palavras, com base em sua hipótese, o cientista faz deduções, prevendo o que ocorrerá em uma nova situação caso a hipótese seja verdadeira. Essa metodologia, denominada hipotético ‑dedutiva, é a base da maioria dos procedimentos científicos. Em certos casos os cientistas podem elaborar situações experimentais, ou experimentos, para testar suas hipóteses. Esses experimentos permitem confirmar ou rejeitar deduções elaboradas com base em hipóteses. Se os resultados dos experimentos, ou mesmo de simulações matemáticas, indicarem que as deduções com base em uma hipótese estão incorretas, os cientistas devem voltar atrás e
1. estabelecimento do problema a estudar, verificação do que se sabe sobre ele e que observações já foram realizadas;
2. formulação de uma hipótese;
3. levantamento de deduções com base na hipótese;
4. teste das deduções por meio de novas observações ou de experimentos;
5. conclusões sobre a validade ou não da hipótese.
Para exemplificar procedimentos científicos que levaram a descobertas importantes, comentamos dois experimentos realizados pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809 ‑1882) e por seu filho, o botânico Francis Darwin (1848 ‑1925), publicados em 1880, e os experimentos realizados nos anos 1930 pelo engenheiro estadunidense Karl Jansky (1905 ‑1950) no estudo da emissão de ondas de rádio por corpos celestes.
Os experimentos de Charles e Francis Darwin
Charles e Francis Darwin investigaram um fato corriqueiro que você talvez já tenha notado: as plantas tendem a se curvar em direção a uma fonte de luz dirigida, seja o Sol ou uma lâmpada (Fig. 4).
Eles tentaram responder inicialmente à seguinte questão: que parte da planta é sensível à fonte de luz? Com base em observações de diversos tipos de
plantas, eles formularam a hipótese de que a luz é percebida pela extremidade superior do caule. Com base nessa hipótese, eles fizeram a seguinte dedução: se é realmente a extremidade superior da planta que percebe a luz, plantas que tenham suas extremidades eliminadas ou cobertas com uma proteção à prova de luz não se curvarão em direção à fonte luminosa. Para testar essa hipótese, os pesquisadores cortaram e eliminaram as extremidades superiores de algumas plantas jovens de alpiste e as colocaram perto de uma fonte direcionada de luz; ao lado das plantas “decapitadas”, eles colocaram plantas intactas, que serviam como elementos de comparação (controle experimental). Alguns dias depois, os cientistas verificaram que as plantas intactas haviam crescido curvando ‑se em direção à luz, enquanto as plantas decapitadas continuaram a crescer eretas, sem se curvar. Em outra experiência, os dois cientistas cobriram a extremidade superior de plantas de alpiste com papel preto à prova de luz e compararam seu comportamento com o de plantas que tiveram o papel preto colocado sobre outras partes do caule que não as extremidades superiores. As plantas com as extremidades superiores cobertas, assim como as decapitadas, cresceram eretas, enquanto as plantas com outras regiões cobertas cresceram curvando‑se em direção à fonte de luz. O resultado dos experimentos confirmou a previsão – a luz é percebida pela extremidade superior do caule da planta – e a hipótese ganhou validade (Fig. 5).
Após gravar o ruído por um longo período de tempo, Jansky percebeu que ele apresentava certa regularidade, sendo mais acentuado no mesmo horário todos os dias. Além disso, ele observou que a fonte produtora do ruído de fundo se movimentava atravessando o céu de leste a oeste, o que o levou a acreditar que ela se situava fora da Terra, provavelmente no Sol. Assim, Jansky formulou sua hipótese sobre a origem das ondas de rádio que chegavam à Terra. Os registros de Jansky também mostravam que a quantidade de ruído aumentava significativamente durante as tempestades. Em outro experimento, realizado sem tempestades, o ruído persistiu. Após diversas novas observações, Jansky concluiu, com base nos resultados experimentais, que a fonte daquele ruído não era o Sol, e sim estrelas localizadas no centro de nossa galáxia, a Via Láctea. Karl Jansky foi um dos primeiros cientistas a estudar ondas de rádio originadas em corpos celestes. Seus experimentos foram divulgados em publicações científicas, e outros pesquisadores puderam aprender mais sobre essa descoberta.
Com base nas pesquisas pioneiras de Jansky surgiu e se desenvolveu um novo campo de pesquisa, a Radioastronomia.
Uma das exigências da Ciência é que ideias e conclusões científicas se tornem públicas, de modo que possam ser criticadas por qualquer pessoa com argumentos para isso. Teorias e hipóteses só passam a integrar o corpo da Ciência se forem publicadas como artigos em revistas especializadas e credenciadas pela comunidade científica. A publicação dos resultados científicos é imprescindível, pois dá credibilidade às informações levantadas, permitindo consultas e críticas. As revistas especializadas em publicações científicas são geralmente subsidiadas por sociedades científicas ou instituições de pesquisa. Os editores de revistas científicas, geralmente pesquisadores renomados em sua área de atuação, têm a função de avaliar se os artigos enviados pelos autores preenchem os requisitos mínimos para publicação. Nesse trabalho eles são auxiliados por outros cientistas, que, atuando como árbitros, têm a incumbência imparcial e geralmente anônima de analisar os trabalhos científicos apresentados e recomendar a aceitação ou rejeição da publicação. Também pode ocorrer a aceitação do trabalho desde que se façam as correções e as complementações sugeridas pelos revisores.
A revisão dos artigos científicos tem por objetivo identificar banalidades e excentricidades e verificar o ineditismo, a relevância, a qualidade e a adequação da investigação apresentada. Esse procedimento, conhecido como “julgamento por pares”, evita que a autoridade ou a fama de um pesquisador sejam, por si só, suficientes para a aceitação de suas ideias. Qualquer pesquisador, seja ele iniciante ou consagrado, passará pelo mesmo processo sempre que quiser publicar seus trabalhos e suas ideias em uma revista científica conceituada (Fig. 7).
Um artigo científico geralmente apresenta os seguintes itens: título, resumo, introdução, materiais e métodos, resultados, discussão, conclusão e referências bibliográficas.
O título identifica o estudo realizado pelo artigo científico. Sua finalidade é passar ao leitor a ideia central do estudo. O resumo é um pequeno texto que apresenta, de maneira concisa, os principais assuntos tratados no artigo. A introdução tem por finalidade situar o tema em estudo, apresentando os objetivos da investigação realizada, as hipóteses testadas e estudos relacionados já publicados em revistas científicas. O item relativo aos materiais e métodos descreve detalhadamente todos os procedimentos e os materiais utilizados na investigação, o que possibilita que, em uma eventual repetição por outros cientistas, o estudo possa ser feito nas mesmas condições.
No item referente aos resultados, relata ‑se minuciosamente o que foi observado durante os estudos, com base nos dados obtidos com as técnicas empregadas.
No item discussão, os autores analisam criticamente o próprio trabalho e as hipóteses testadas, confrontando seus resultados com o conhecimento vigente, apresentado em outras publicações. Outro aspecto importante da discussão é avaliar qual é a contribuição do estudo em questão em um panorama científico mais amplo.
O item de conclusão apresenta as considerações finais sobre a investigação, avaliando as hipóteses que foram testadas durante o estudo e as possibilidades de continuidade do trabalho.
O item referências bibliográficas relaciona artigos científicos que foram consultados durante o trabalho com indicação dos respectivos autores, nome da revista em que foram publicados, volumes, páginas e datas de publicação. Artigos veiculados em jornais, em revistas de divulgação científica e em livros ‑texto não são comparáveis, em termos de contribuições inéditas ao conhecimento científico, aos publicados em revistas científicas especializadas, uma vez que não são submetidos a julgamento por especialistas. Publicações em jornais e revistas não especializados em Ciência, assim como programas de televisão, desempenham papel importante na popularização do conhecimento científico, mas não acrescentam novos conhecimentos para a comunidade científica.
A divulgação científica é muitas vezes realizada por jornalistas especializados, que interpretam artigos de revistas científicas para os leitores leigos. Há também cientistas que se dedicam à divulgação popular da Ciência. Livros didáticos como este não têm por objetivo agregar ideias originais ao conhecimento científico.
Seu papel é apresentar, de forma organizada e coerente, as ideias centrais vigentes em determinada área do conhecimento, para auxiliar os estudantes na compreensão e na integração de conceitos fundamentais em Ciência, o que lhes facilitará desenvolver uma visão científica do mundo.
Alguns estudiosos acreditam que a Ciência evolui de forma cumulativa e linear, sendo o conhecimento atual resultado do acúmulo linear de estudos anteriores. Mas nem todos os filósofos das Ciências pensam dessa forma.
Em 1962, o físico e historiador da Ciência estadunidense Thomas Samuel Kuhn (1922 ‑1996) lançou o livro A estrutura das revoluções científicas. Nesse livro, Kuhn afirma que a “ciência normal” é sustentada por um paradigma, ou seja, um padrão que serve como modelo a ser imitado ou seguido. Um paradigma é equivalente a uma teoria então vigente. Um paradigma é abalado quando alguma “anomalia” é detectada em um sistema de conhecimentos e não é mais possível
apresentar explicações para ela baseando ‑se no paradigma vigente (Fig. 9).
A formulação de um novo paradigma capaz de explicar essa anomalia substituirá o paradigma antigo. De acordo com Thomas Kuhn, esse período em que um paradigma está sendo substituído por outro constitui uma “revolução científica”.
Por exemplo, a passagem do modelo geocêntrico, ou geocentrismo,
para o modelo heliocêntrico é um exemplo de mudança de paradigma. O geocentrismo, que considerava a Terra o centro do Universo, foi aceito durante séculos, até que estudos sobre os movimentos dos planetas acabaram por substituí‑lo pelo modelo heliocêntrico, no qual o Sol ocupa o centro do Sistema Solar e os planetas e outros astros giram ao seu redor.
Um dos exemplos de revolução científica mencionados por Kuhn é a que ocorreu em razão da teoria atômica de Dalton. Até a proposição da teoria atômica daltoniana, no início do século XIX, não havia clara distinção entre o que atualmente chamamos de substâncias compostas (por exemplo, água ou açúcar) e de soluções (por exemplo, água com açúcar nela dissolvido).
A teoria de Dalton causou uma mudança de paradigma tão relevante que os químicos revisaram muitos dos elementos anteriormente estudados, reclassificando vários deles.
Outra revolução científica teria ocorrido entre o fim do século XIX e o início do século XX, com o surgimento das teorias de Albert Einstein, Max Planck e muitos outros, dando origem à chamada Física Moderna.
As Ciências Naturais
O termo “ciência” provém do latim scientia, que significa conhecimento. A metodologia científica tem ajudado muito na busca incessante da humanidade em conhecer e compreender a origem e a organização da natureza. A Ciência é um empreendimento coletivo e em contínua construção, uma atividade em constante
mudança pela qual passam os saberes e os esforços da humanidade sobre a natureza. Milhares de cientistas em todo o mundo tentam sistematizar suas descobertas, ajudando a constatar leis científicas e a elaborar ou reelaborar modelos ou teorias, que passam por testes continuamente. Conforme vimos anteriormente, teorias são ideias amplas, modelos capazes de explicar coerentemente um conjunto de
fenômenos da natureza. Por exemplo, a teoria celular, em Biologia, enuncia que todos os seres vivos são constituídos por micro compartimentos denominados células. A teoria atômica, em Química, refere‑se aos átomos que constituem todas as substâncias químicas.
Leis científicas descrevem regularidades que se manifestam na ocorrência de fenômenos naturais. Geralmente as leis científicas ganham destaque somente após exaustivas e detalhadas pesquisas. Por exemplo, a formulação das leis de Mendel, que foram assim denominadas no início dos anos 1900, decorreu das dezenas de experimentos realizados pelo cientista austríaco Gregor Mendel (1822 ‑1884).
Atualmente, as tecnologias e a Ciência caminham geralmente associadas, o que vem trazendo inúmeros benefícios práticos à humanidade. Por exemplo, os conhecimentos científicos da Química Orgânica são empregados em tecnologias para a produção de medicamentos destinados ao tratamento de grande número de doenças.
As chamadas Ciências Naturais referem ‑se aos diferentes ramos que se utilizam da metodologia científica para estudar a natureza. As Ciências Sociais e as Ciências Humanas, por sua vez, utilizam a metodologia científica para estudar as sociedades humanas. A Matemática, a Estatística e as Tecnologias de Informação, embora não sejam consideradas ciências naturais, participam do conhecimento científico sobre a natureza fornecendo “ferramentas” operacionais para que os cientistas avaliem e validem suas hipóteses, leis e teorias.
Entre os principais ramos em que se pode dividir as Ciências Naturais estão a Física, a Química e a Biologia. Atualmente, cada vez mais se acentua a tendência de considerar também áreas interdisciplinares, como a Físico‑Química, a Bioquímica e a Biofísica, além de áreas emergentes, como as Ciências Ambientais,
que congregam diversos ramos do conhecimento científico para compreender e preservar os ambientes naturais e sua biodiversidade.
A Física (do grego physis, natureza) pode ser considerada fundamental para as outras ciências e também para muitas tecnologias, uma vez que se dedica a estudar os componentes básicos dos diferentes fenômenos e leis que governam interações físicas entre eles.
O campo de estudo da Física Clássica é geralmente dividido em cinco grandes áreas: Mecânica, Termofísica (calor e termodinâmica), Óptica (luz e visão), Ondas (que inclui o estudo do som e da audição) e Eletromagnetismo (eletricidade e magnetismo). A Física Moderna, que teve início com as teorias elaboradas a partir do início do século XX, abrange a Relatividade e a Cosmologia, a Astrofísica, a Física Quântica, a Física Nuclear e a Física da Matéria Condensada (Fig. 12).
A Química (do grego khumeía, pelo árabe latinizado alchimia, alquimia) inclui o estudo das substâncias, naturais ou artificiais, visando ao conhecimento de sua constituição, de suas propriedades, de suas transformações e da maneira como diferentes substâncias se formam, tanto em processos naturais quanto em laboratórios ou indústrias.
A Química inclui áreas como Química Inorgânica, Química Orgânica, Físico ‑Química e Química
Analítica, e cada uma apresenta objetivos específicos. A Química Analítica, por exemplo, utiliza métodos fundamentados em conhecimentos químicos, físicos e biológicos para determinar a composição e a qualidade de alimentos, medicamentos, matérias ‑primas e também da atmosfera, das águas, das rochas e dos solos.
que ocorrem nos seres vivos, assim como interações entre os seres vivos, a atmosfera, a água e o solo, são compreendidos com o auxílio da Química e da Biologia, principalmente. O simples fato de o céu ser azul deve ‑se a fenômenos que ocorrem durante a passagem da luz solar pela atmosfera terrestre. Pense nisso.
armazenar e processar a informação necessária para sua própria reprodução”. A controvérsia sobre a definição de vida é um bom exemplo de como é construído o conhecimento científico: com base na observação da natureza, os cientistas tentam interpretar os fatos e gerar explicações mais abrangentes sobre eles. Nesse processo, diversas explicações podem ser propostas e testadas por meio de procedimentos científicos, que geralmente envolvem acaloradas discussões entre os cientistas, que talvez ainda estejam em um estágio inicial da definição de vida. Há cientistas eminentes que consideram impossível e mesmo inútil definir claramente o fenômeno da vida. Entre eles destaca ‑se o zoólogo alemão naturalizado estadunidense Ernst Mayr (1904 ‑2005), que assim escreveu em 1982: “Tentativas foram feitas repetidamente para definir ‘vida’. Esses esforços são um tanto fúteis, visto que agora está inteiramente claro que não há uma substância, um objeto ou uma força especial que possa ser identificada à vida”. Apesar de achar que não é possível definir vida, Ernst Mayr admite a possibilidade de definir o “processo da vida”. Continua ele: “O processo da vida, contudo, pode ser definido. Não há dúvida de que os organismos vivos possuem certos atributos que não são encontrados [...] em objetos inanimados”. Um dos principais desafios na definição de vida resulta da grande diversidade de seres vivos existentes na Terra. Já foram catalogados quase dois milhões de espécies biológicas diferentes, e milhares de novas espécies continuam a ser descobertas
a cada ano. Segundo alguns estudiosos, o número de espécies viventes pode chegar perto dos 30 milhões! Como organizar e compreender tamanha biodiversidade? Esse é o objeto da Sistemática, ramo das Ciências Naturais cujos objetivos principais são compreender a biodiversidade, tentando organizá-la por meio da taxonomia, ou classificação biológica. Esse é um dos temas abordados no capítulo.
Composição química dos seres vivos A matéria que compõe os seres vivos é constituída por átomos, assim como a matéria que constitui entidades não vivas. Entretanto, na matéria viva os átomos de certos elementos químicos – carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N) e, em menor proporção, fósforo (P) e enxofre (S) – estão sempre presentes. As substâncias orgânicas que formam os seres vivos caracterizam se por conter átomos de carbono interligados em sequência, constituindo cadeias carbônicas, às quais se unem átomos de outros elementos químicos. É a maneira pela qual os diferentes átomos se combinam nas moléculas orgânicas que determina o tipo de substância. Na matéria viva destacam se quatro tipos principais de substâncias orgânicas: proteínas, glicídios, lipídios e ácidos nucleicos (Fig. 1)
Além de substâncias inorgânicas, como água e sais minerais, há milhares de substâncias orgânicas diferentes nos seres vivos, as quais se reúnem de forma altamente organizada na constituição das células, consideradas as unidades fundamentais da vida. Todos os seres vivos são constituídos por células, com exceção dos vírus. No mundo vivo há dois tipos de células: procarióticas e eucarióticas. A célula procariótica é relativamente mais simples e menor que a eucariótica, e em seu interior geralmente não há compartimentos membranosos. Entre os seres vivos apenas bactérias e arqueas (organismos unicelulares com forma e tamanho semelhantes aos das bactérias) têm células procarióticas. A célula eucariótica apresenta internamente compartimentos e estruturas membranosas que desempenham funções específicas, como digestão, transporte e armazenamento de substâncias. Um compartimento celular característico é o núcleo, no qual se localiza o material genético – DNA (abreviatura de deoxiribonucleic acid, ácido desoxirribonucleico) – que constitui os genes. Células procarióticas não têm núcleo e seu material genético encontra se livre no citoplasma, o fluido que preenche a célula (Fig. 2).
microscópio eletrônico de: (A) bactéria Vibrio cholerae, constituída por uma célula procariótica (microscópio eletrônico; aumento ≈ 12.000x; cores meramente ilustrativas); (B) glóbulo branco do sangue humano, uma célula eucariótica (microscópio eletrônico; aumento ≈ 2.500x; cores meramente ilustrativas).
A maior parte das substâncias presentes nas células é continuamente degradada e substituída por substâncias recém fabricadas. Essa intensa atividade bioquímica requer energia, que a célula obtém de substâncias orgânicas retiradas do meio, denominadas nutrientes. Além de fornecer energia, os nutrientes também fornecem matéria prima que a célula utiliza na produção de novas moléculas. O conjunto de atividades de transformação bioquímica que ocorre no interior de uma célula constitui o metabolismo celular (do grego metabole, mudança, ou transformação).
Reação e movimento
Muitos seres vivos são capazes de reagir ao que se passa ao seu redor. Bactérias, algas e protozoários microscópicos deslocam se ativamente, procurando os locais mais favoráveis à sua sobrevivência. A maioria dos animais caracteriza se por reações rápidas a estímulos ambientais. Muitas plantas podem alterar a posição de suas folhas no decorrer do dia, de modo a aproveitar melhor a energia do Sol (Fig. 3).
Crescimento e reprodução
Duas características importantes dos seres vivos são o crescimento, que ocorre pela produção de substâncias por meio do metabolismo celular, e a reprodução, que garante a continuidade da vida. Há dois tipos básicos de reprodução: assexuada e sexuada. Na reprodução assexuada um novo ser surge a partir de uma célula ou de um grupo de células produzido por um único indivíduo genitor (Fig. 4). Na reprodução assexuada os organismos filhos recebem as mesmas instruções genéticas presentes no genitor e, geralmente, são idênticos a ele. Na reprodução sexuada um novo ser surge por meio da união de duas células sexuais, os gametas. Os gametas podem ser produzidos por um mesmo genitor, mas geralmente são produzidos por dois genitores de sexos diferentes.
Variabilidade genética e biodiversidade
O material genético apresenta características que variam entre as espécies e mesmo entre indivíduos de uma mesma espécie; essa variação é denominada variabilidade genética. Graças a essa variabilidade, os indivíduos que nascem a cada geração por reprodução sexuada são únicos, diferentes uns dos outros. Alguns dos organismos de uma espécie podem ter mais chance que outros de sobreviver e de se reproduzir em determinado ambiente; assim, eles têm mais chance de transmitir suas características à descendência do que indivíduos menos capacitados a sobreviver. A grande diversidade de seres vivos na Terra, nos mais diversos aspectos (molecular, genético, morfológico, fisiológico, ecológico etc.), constitui a biodiversidade.
Durante a evolução da vida, a variabilidade genética possibilitou o surgimento dos mais variados tipos de organismos. Os organismos e espécies mais bem sucedidos na “luta pela vida” sobreviveram e hoje compõem a biodiversidade do planeta.
Adaptação e evolução
A ideia de que os indivíduos de uma população têm diferentes chances de sobreviver e de deixar descendentes foi concebida independentemente pelos naturalistas ingleses Charles Darwin (1809 1882) e Alfred Wallace (1823 1913), em meados do século XIX. Segundo eles, o ambiente “seleciona” positivamente os indivíduos mais aptos, geração após geração, o que foi denominado seleção natural. Essa é a base da teoria da evolução, segundo a qual os seres vivos passam por mudanças ao longo do tempo e sobrevivem por adaptarem se aos ambientes onde vivem.
maneira: graças à variabilidade genética, ocorrem diferenças entre os indivíduos de uma mesma geração de organismos, o que possibilita que uns organismos se ajustem melhor que outros ao ambiente em que a população está vivendo. Esse ajustamento confere a alguns indivíduos maiores chances de se reproduzir e transmitir aos descendentes suas características adaptativas, que se acentuam ao longo das gerações e gerações de seleção (Fig. 5).
Os estudiosos distinguem diversos níveis em que a vida se manifesta.
O primeiro deles seria o nível dos átomos, que se unem quimicamente formando as moléculas das diversas substâncias orgânicas. Proteínas, por exemplo, são moléculas orgânicas constituídas por centenas, milhares ou mesmo milhões de átomos dos
elementos carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N). As moléculas orgânicas constituem os diversos tipos de estruturas que compõem as células, as unidades básicas dos seres vivos (exceto os vírus). Por exemplo, certas proteínas, em conjunto com moléculas de lipídios, constituem as membranas celulares. Além de revestir as células, as membranas biológicas, ou biomembranas, constituem as elaboradas tubulações e estruturas internas (organelas), as quais desempenham diversas funções no metabolismo celular. Do nível celular passamos a um nível que ocorre apenas em animais e plantas: o nível dos tecidos corporais. Tecidos são conjuntos celulares funcionais que desempenham diversos papéis no organismo. O tecido conjuntivo, por exemplo, dá resistência e conjunto ao corpo, formando, entre outras estruturas, os tendões, que unem músculos a ossos. O tecido muscular, por sua vez, é formado por células especializadas em se contrair e produzir movimentos. Em organismos multicelulares complexos, vários tipos de tecido podem se organizar formando órgãos corporais, que desempenham funções específicas. O estômago, por exemplo, é um órgão constituído por diversos tecidos, como tecido muscular liso e tecidos de revestimento interno e externo, além de glândulas estomacais responsáveis pela produção de suco gástrico. Órgãos geralmente atuam de forma integrada para desempenhar funções corporais específicas. Um conjunto de órgãos funcionalmente integrados constitui um sistema de órgãos. Por exemplo, o sistema digestório humano congrega diversos órgãos corporais, como a boca, o esôfago, o estômago e o intestino, além de diversas glândulas que atuam na digestão (Fig. 6).
Figura 6- O estômago humano (ilustração à esquerda, em corte parcial) é um órgão formado por diversos tecidos. O estômago, junto a outros órgãos como o esôfago, o intestino e o fígado, faz parte do sistema digestório (ilustração à direita). (Representação fora de proporção; cores meramente ilustrativas.)
A hierarquia da organização biológica não para por aí. Os indivíduos de mesma espécie geralmente constituem grupos denominados populações biológicas. População é definida como um conjunto de indivíduos de mesma espécie que habita determinada região geográfica. Exemplos desse nível de organização supraindividual são as populações humanas dos diversos países ou uma população de pássaros que vive em determinada região de um campo. Os indivíduos de uma população em geral interagem com indivíduos de populações de outras espécies com as quais coabitam. Ao conjunto de populações de diferentes espécies que coexistem em determinada região, interagindo direta ou indiretamente, dá se o nome de comunidade biológica, ou biocenose. Um exemplo de biocenose é uma comunidade da qual fazem parte populações de pássaros, de plantas e de outros animais que coabitam e interagem. O ambiente em que vive uma comunidade é o biótopo, composto pelas características físicas, como temperatura, umidade, luminosidade, e pelos diversos componentes químicos que afetam as comunidades.
Comunidades biológicas interagem entre si e com o biótopo. A esse conjunto em interação dá se o nome de ecossistema. O ecossistema pode ser tanto um aquário bem equilibrado em vegetais e animais como uma floresta ou um cerrado. A hierarquia mais abrangente da organização biológica é a que reúne todos os ecossistemas da Terra: a biosfera. Esse termo foi introduzido em 1875 pelo geólogo austríaco Eduard Suess (1831 1914) e seu emprego se generalizou a partir da década de 1920, por analogia a outros conceitos que designavam partes do planeta, como litosfera (camada rochosa que constitui a crosta terrestre) e atmosfera (camada de gases e partículas que envolve o planeta). A biosfera inclui todos os seres vivos da Terra e os ambientes onde eles vivem, ou seja, é constituída pelo conjunto de todos os ecossistemas do planeta (Fig. 7).
A questão da diversidade da vida já ocupava o pensamento do filósofo grego Aristóteles (384 322 a.C.) no século IV a.C., levando o a elaborar um dos primeiros sistemas de classificação biológica de que se tem notícia (Fig. 8). No século XVIII o naturalista sueco Carl von Linné (1707 1778), também conhecido em português como Lineu, assumiu o desafio de desenvolver um sistema de classificação capaz de organizar coerentemente o grande número de espécies até
então descobertas, principalmente nas viagens às terras recém conquistadas pelos europeus. Na visão de Lineu, que era partidário do criacionismo, o desenvolvimento de um sistema de classificação adequado ajudaria a entender melhor o plano e as intenções do Criador ao conceber o Universo e os seres vivos. Em meados do século XIX, o naturalista inglês Charles Darwin publicou sua teoria
evolucionista, segundo a qual todos os seres vivos atuais descendem dos primeiros organismos, que, hoje sabemos, surgiram bilhões de anos atrás. Para Darwin, a vida na Terra teria surgido uma única vez e se diversificado ao longo do tempo, como os ramos de uma grande árvore. Essa diversificação é o que teria levado à grande variedade de seres atuais. De acordo com a teoria evolucionista, a diversidade da vida decorre da evolução biológica, processo de ajustamento dos organismos e das espécies aos desafios de sobrevivência. Ao longo do século XX, a teoria darwinista foi ampliada e consolidada, sendo atualmente uma das mais importantes na Biologia. A aceitação da teoria evolucionista levou os estudiosos à conclusão de que a classificação biológica deveria levar em conta as relações de parentesco evolutivo entre as espécies, uma vez que as espécies atuais se originaram de outras mais antigas; espécies com maior grau de parentesco evolutivo deveriam estar reunidas na classificação. O grande desafio dessa empreitada é justamente descobrir as relações de origem e parentesco evolutivo entre os grupos de seres vivos, que se diversificaram no decorrer de um tempo que vai de bilhões a milhões de anos atrás.
A classificação de Lineu
Como seus antecessores, Lineu agrupou os seres vivos de acordo com as semelhanças que eles apresentavam. Sua grande inovação, entretanto, foi a escolha criteriosa das características levadas em conta em sua classificação (Fig. 9). Na opinião de Lineu, certos critérios utilizados em sistemas de classificação anteriores eram inadequados. O hábitat dos organismos, por exemplo, empregado por antigos gregos na classificação, não deveria ser utilizado como critério importante na classificação biológica, uma vez que poderia reunir em um mesmo grupo seres tão distintos como peixes, baleias, estrelas ‑do ‑mar, camarões e ostras, se considerarmos o hábitat marinho. Lineu concluiu que o mais adequado seria agrupar os seres vivos com base em características estruturais e anatômicas. Para ele o agrupamento mais básico da classificação era a espécie, definida como um grupo de indivíduos dotados de características estruturais típicas, ausentes em outros grupos. Um agrupamento desse tipo é chamado de táxon (do grego táxis, arranjo). Daí vem o termo taxonomia, que se refere a classificação. Quando certas espécies apresentavam semelhanças consideradas relevantes, Lineu as reunia em um grupo mais abrangente, o gênero. Por exemplo, todas as espécies de animais com características semelhantes às dos cães (lobos, coiotes, chacais etc.) são reunidas no mesmo táxon, o gênero Canis. Seguindo a linha de estabelecer táxons cada vez mais abrangentes, Lineu reuniu gêneros semelhantes em uma categoria maior, a ordem. Por exemplo, cães, lobos, ursos, onças, gatos e diversos outros animais fazem partem da ordem do carnívoros (Carnivora). Ordens semelhantes eram reunidas em uma categoria ainda mais abrangente, a classe. Por exemplo, todos os carnívoros, além de animais como porcos, cavalos, elefantes e baleias, entre outros, estão reunidos na classe dos mamíferos (Mammalia), animais que mamam na fase jovem. Classes semelhantes eram reunidas em um reino; por exemplo, o reino dos animais (Animalia) reúne todos os animais mencionados anteriormente, além de muitos outros (Fig. 09 e 10).
Um dos principais méritos de Lineu foi associar à classificação biológica um sistema eficiente de nomenclatura. O nome científico de todo ser vivo, para Lineu, devia ser composto de duas palavras, a primeira referente ao gênero e a segunda referente à espécie do organismo. Por atribuir dois nomes a cada espécie viva, o sistema de Lineu ficou conhecido como nomenclatura binomial, utilizada até hoje. Uma das regras da nomenclatura binomial de Lineu é que os nomes científicos sejam sempre escritos em latim ou em uma forma latinizada. A primeira letra do gênero deve ser sempre maiúscula e a da espécie, sempre minúscula. Além disso o nome científico deve ser destacado no texto em que aparece, por exemplo em itálico ou sublinhado. Confira esses critérios nos nomes científicos mencionados no livro. A nomenclatura científica é rigorosa porque parte do princípio de que regras bem estabelecidas facilitam a comunicação entre os cientistas e mesmo entre os não cientistas. Os nomes populares dos seres vivos variam nos diversos idiomas e até mesmo em diferentes regiões de um país, enquanto o nome científico é único: ele designa apenas uma espécie catalogada e descrita detalhadamente pelos taxonomistas, o que evita confusões. Veja um exemplo disso acompanhando as imagens dos pássaros e a legenda da figura 11.
nomes populares e a vantagem de utilizar a nomenclatura científica.
A classificação biológica faz parte de um ramo de estudo mais amplo, a Sistemática, cujos principais objetivos são:
• compreender os processos responsáveis pela existência da biodiversidade, o que também é um objetivo do ramo da Biologia conhecido como Evolução;
• estabelecer critérios para organizar a biodiversidade, facilitando sua compreensão;
• catalogar a diversidade biológica, desenvolvendo descrições completas e guias de identificação das características típicas de cada espécie, além de atribuir a cada uma um nome científico. Atualmente, define ‑se uma espécie como um grupo de organismos geralmente semelhantes e capazes de cruzar entre si, produzindo descendentes férteis. A tendência atual da Sistemática é classificar os organismos com base nas relações de parentesco evolutivo entre eles. Segundo o evolucionismo, todas as formas de vida são parentes em algum grau, pois necessariamente tiveram ancestrais comuns. Um dos maiores desafios da Sistemática é escolher características morfológicas, funcionais ou moleculares que sejam relevantes para classificar os organismos de modo a refletir seu parentesco evolutivo. Os cientistas partem do pressuposto de que espécies atuais que compartilham aspectos semelhantes provavelmente os herdaram de um ancestral comum, que viveu no passado. Para os cientistas, um aspecto importante a ser considerado é o desenvolvimento embrionário. Diversas estruturas corporais que se desenvolvem de modo semelhante em embriões de diferentes espécies permitem inferir seu grau de parentesco (Fig. 12).
Em seu livro A origem das espécies, de 1859, Darwin observou que o diagrama que representa relações de parentesco evolutivo entre espécies se assemelham às árvores genealógicas que expressam as relações de parentesco em uma família. Por analogia, Darwin denominou essas “árvores evolutivas” de árvores filogenéticas, ou filogenias (do grego phylon, grupo, e genesis, origem) (Fig. 13).
No começo dos anos 1950, o entomologista alemão Willi Hennig (1913 ‑1976) desenvolveu um novo método para classificar as espécies biológicas, que ficou conhecido como cladística. Em lugar das categorias tradicionais como classes, ordens etc., os cladistas propõem que se utilize apenas o termo clado, ou clade, para designar um grupo de espécies que tiveram uma espécie ancestral comum. Para os cladistas, vários grupos da classificação tradicional deveriam ser revistos, pois não atendem ao critério de haver um ancestral comum exclusivo entre as espécies agrupadas. A cladística representa suas hipóteses de parentesco evolutivo por meio de cladogramas, esquemas gráficos que, embora sejam semelhantes às árvores filogenéticas, são construídos segundo os princípios da cladística. Um desses princípios é que as espécies sempre surgem por meio da cladogênese, processo evolutivo em que uma espécie ancestral origina duas novas espécies. Cada nó do cladograma, portanto, representa a origem de dois novos ramos de organismos (Fig. 15). A classificação com base na cladística traz mudanças significativas nas árvores filogenéticas construídas pelos métodos tradicionais. Por exemplo, na classificação tradicional, mamíferos, aves e répteis formam três classes distintas. Para a cladística, porém, as aves e os répteis deveriam ser reunidos no mesmo grupo. Um dos argumentos utilizados pelos cladistas é que a presença de penas, atualmente restrita às aves, não é uma característica exclusiva delas, ocorrendo também em grupos primitivos extintos com características típicas de répteis (Fig. 16).
Principais grupos de seres vivos
Inicialmente os seres vivos foram classificados em apenas dois reinos: Animal e Vegetal. No século XIX, porém, o naturalista alemão Ernst Haeckel (1834 ‑1919) propôs a criação de um terceiro reino – Protista – para abrigar organismos que não se enquadravam perfeitamente nas definições nem de animal nem de vegetal. Esse era o caso das algas, antes classificadas como vegetais, e dos protozoários, antes classificados como animais. Na primeira metade do século XX, o biólogo francês Edouard Chatton (1883 ‑1947) sugeriu que as bactérias, antigamente consideradas plantas e depois protistas, passassem a constituir um reino exclusivo, denominado Monera. Assim, nessa época eram considerados quatro reinos: Animal, Vegetal, Protista e Monera. Na década de 1960, o biólogo estadunidense Robert H. Whittaker (1920 ‑1980) sugeriu que os fungos fossem retirados do reino Protista e alocados em um reino próprio, Fungi, elevando assim o número de reinos para cinco. Na década de 1980, as biólogas estadunidenses Lynn Margulis (1938 ‑2011) e Karlene Schwartz (1936) sugeriram a mudança do nome Protista para Protoctista, passando a incluir todas as algas, tanto as macroscópicas (antigamente classificadas como plantas) quanto as microscópicas, além dos protozoários, todos eles de dimensões microscópicas. Em 1990, o biofísico estadunidense Carl Woese (1928 ‑2012) propôs, com base em características de semelhança molecular, a divisão dos seres vivos em três grandes domínios, mais abrangentes do que reinos: Bacteria, Archaea e Eukarya.
Os vírus são seres visíveis apenas em microscópios eletrônicos. Seu tamanho varia entre 20 e 300 nm, sendo os menores seres biológicos conhecidos. Há diversos tipos de vírus causadores de doenças humanas, como o sarampo, a raiva, a gripe e os diversos tipos de síndromes respiratórias (Fig. 18). Os vírus não são constituídos por células, sendo, nesse quesito, uma exceção entre todos os seres vivos. Vírus são constituídos por uma ou poucas moléculas de ácido nucleico, que pode ser o DNA ou o RNA, envoltas por um revestimento de moléculas de proteínas e, em alguns vírus, de lipídios. Embora não sejam células, todos os vírus são parasitas intracelulares, isto é, dependem de células para se reproduzir. Quando um vírus injeta seu material genético na célula hospedeira, as instruções genéticas virais são utilizadas para “tomar o poder” da célula, que muitas vezes passa a funcionar exclusivamente para produzir novos vírus. Quando estão fora de uma célula hospedeira, os vírus são completamente inertes e não se reproduzem. Alguns estudiosos não consideram os vírus seres vivos porque eles são acelulares, ou seja, não são constituídos por células. Por outro lado, os vírus apresentam proteínas e material genético semelhantes aos de outros seres vivos, que sofrem mutações, se adaptam e evoluem, além de dependerem de células vivas para se reproduzir. Por esses motivos os vírus não são classificados em nenhum dos seis grandes grupos apresentados anteriormente.
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